Vítimas descobrem dívidas após terem CPF usado na infância por parentes; mulher chegou a dever R$ 2,5 milhões
- 19/09/2025

Adultos descobrem dívidas após terem CPF usado na infância por parentes que abriram empresas Um levantamento feito pela GloboNews com dados da Junta Comercial do Rio de Janeiro mostra que atualmente 166 empresas funcionam no estado com sócios entre 2 e 16 anos. Entre os registros, estão dois irmãos de 8 e 9 anos que aparecem como sócios de quatro empresas diferentes. Crianças que, em muitos casos, têm seus CPFs usados por adultos sem consentimento – até por nem terem idade para discernir – e que correm o risco de se endividarem sem nem saber. Foi o caso da jornalista e especialista antifraude Renata Furst, que tinha apenas 6 anos quando se tornou sócia de duas empresas. A descoberta veio aos poucos, quando, ainda criança, oficiais de Justiça começaram a bater à porta da casa da família. O que parecia um conto de fadas logo virou pesadelo. As empresas abertas em seu nome faliram, e as dívidas passaram a persegui-la. Renata Furst achava que as cartas sobre as dívidas eram correspondências e príncipes Ávilis Muniz/GloboNews “Eu achava que eram cartas de um príncipe, convites para ir a um castelo. Quando abria, era só um monte de números que eu não entendia”, lembra sobre as correspondências de cobrança. Hoje, vivendo nos Estados Unidos, Renata contou sua história em um documentário e recebeu relatos de dezenas de pessoas na mesma situação. Dívidas de R$ 2,5 milhões A repercussão do documentário chegou até a gerente de projetos Rafaella D'Avila, que só descobriu o problema aos 23 anos. Ao tentar trocar de plano de celular, foi informada de que não poderia porque tinha dívidas registradas em seu nome. Repercussão do caso de Renata fez vários outros casos semelhantes aparecerem Reprodução/GloboNews “Minha mãe explicou que precisou fazer empréstimos para pagar funcionários, porque a prefeitura não honrou licitações. Logo depois começaram a chegar cartas de oficiais de Justiça”, diz. Hoje, Rafaella lida com o peso de 2 empréstimos e 32 ações trabalhistas, que chegaram a somar cerca de R$ 2,5 milhões. Aos 35 anos, parte do salário é bloqueada mensalmente para pagar as dívidas. 'Dívidas empresariais astronômicas feitas por outras pessoas' O analista de sistemas André Santos também cresceu sem saber que era sócio de uma empresa. Aos 15 anos, foi chamado à Polícia Federal e entendeu que algo estava errado. “Eu era moleque, ia à empresa para jogar videogame. Nunca imaginei que aquilo tivesse meu nome envolvido”, conta. Hoje, adulto, ele vive com dívidas que não contraiu. “É um sentimento de impotência enorme. Você luta, trabalha, mas não consegue enfrentar dívidas empresariais astronômicas feitas por outras pessoas.” Lacuna na lei No Brasil, menores de idade só podem ser incluídos como sócios de empresas com autorização dos pais. A legislação não prevê pontos específicos para impedir que o CPF de uma criança seja usado dessa forma. “Quando se tem 6 ou 7 anos, não existe capacidade de decidir se quer ser dono de uma empresa. Mas a prática é comum justamente porque outros membros da família já estão endividados”, explica a advogada Solange Neves. Segundo ela, ao atingir a maioridade, os jovens acabam responsabilizados por dívidas trabalhistas e tributárias. “Não temos hoje uma legislação que proteja o menor nesse aspecto.” Para evitar casos com o dela, Renata também defende uma alteração na lei. “Muitos pais fizeram isso acreditando que estavam protegendo a família, porque o nome deles já estava sujo. Mas isso destruiu o futuro dos filhos. Eu acredito que deveria ser proibido menor de idade ser sócio de empresa.”
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